o ônibus
Não gosto de falar o seu nome. Ela é como aquele velho amigo que você nunca quer reencontrar, mas que sempre aparece nas horas erradas. Você a vê à distância — mãos nos bolsos, cigarro acesso e a mesma impaciência característica — esperando no mesmo ponto de ônibus onde você achou que o amor ia partir e nunca mais voltar. Agora ela está ali, com o mesmo cigarro acesso, perguntando o que você vai fazer com essa coisa chamada “amor”.
Não é um nervosismo gritante, sabe? Não é aquele tipo que te desistir de sair mesmo com o encontro marcado há mais de um mês. É um sussurro constante — um tipo de zumbido na linha, como se o destino estivesse tentando se comunicar e você não entendesse a mensagem.
O problema das promessas é que elas pesam mais do que o coração deveria suportar. É estranho pensar como algo tão doce pode vir carregado de tanto receio. Você começa a imaginar: “e se isso der certo? E se for real?”
O que acontece quando a coisa que você sempre quis finalmente te encontra? Você já sabe que tudo o que começa, de algum jeito, tem que acabar. Ou cresce, ou apodrece. Não existe meio termo.
Quando finalmente chego perto, ela me diz que cria fantasmas. E esses fantasmas não param de dançar na minha cabeça, trocando de roupa, mudando de rosto. “Para você, cada gesto será definitivo. Qualquer erro virará uma cicatriz que você terá que carregar até o fim”, ela me diz após apagar o cigarro.
No começo, acreditei que seria fácil — que vai acontecer como nas canções do Simon & Garfunkel. Mas ninguém te avisa que na primeira vez é como andar numa linha fina entre o agora e o nunca. Um passo em falso, e você despenca para algum lugar onde nem os “sons do silêncio” sabem te alcançar.
E acabo tendo de hesitar. Penso em adiar. Digo a mim mesmo: “Não agora. Talvez mais tarde, quando eu souber o que estou fazendo. Quando o coração não parecer um estranho dentro do peito.” Mas ele não sabe esperar, e ela gosta de rir das nossas indecisões. Mais cedo ou mais tarde, o ônibus parte da estação — e você fica parado na ponto, perguntando o que poderia ter sido diferente.
Talvez eu tenha medo porque sei que ele molda todos os outros que vêm depois. Cada ato carrega um gosto que nunca se apaga por completo. O toque que você aprende no início é o mesmo que irei tentar replicar, sem sucesso, nos corpos que vêm depois. Como se o meu coração fosse um rádio antigo, sempre sintonizado numa frequência que nunca mais irei encontrar.
Mas aqui está a verdade que ninguém gosta de admitir: não é ele que assusta. O que assusta é a mudança que ele traz consigo. O verbo é como abrir uma porta que nunca mais poderá ser trancada. Uma vez do outro lado, você nunca volta a ser quem era.
E talvez seja por isso que eu ainda está aqui, parado no ponto, com medo de embarcar. Porque sei que todo começo é uma despedida disfarçada. E o futuro, com todo seu brilho e promessa, às vezes parece mais assustador do que o passado.
Mas no fim, o ônibus vai partir , quer eu suba ou não. A vida não espera por ninguém. E eles, esses trapaceiros cheios de truques, podem aparecer de novo em outra estação. Ou talvez não. Tudo o que posso fazer é decidir: espera mais um pouco, ou embarca e vê onde essa viagem irá me levar?
Só sei que ela, por mais fedorenta que seja, nunca escreveu um texto que valesse a pena recitar.