Abbey Road: Um Disco, Uma Travessia, Uma Vida
No dia 26 de Setembro de 1969, os Beatles lançavam “Abbey Road”. O resto é história.
Escrever sobre os Beatles sempre é uma tarefa espirituosa para mim, o que não signifique que seja simples. Nunca sei se estou sendo benevolente o suficiente com a maior banda de todos os tempos. Afinal, como é possível fazer justiça ao legado de um grupo que transformou a música, a cultura e a forma como enxergamos o mundo? Toda palavra parece pequena diante da grandiosidade que os Beatles representam.
Desde mais novo, quando “descobri” o grupo, atravessar a rua deixou de ser apenas uma ação. Atravessar a rua é o que me torna mais próximo dos garotos de Liverpool, além de consumir suas músicas. De alguma forma, essa imagem encapsula a liberdade e o espírito de rebeldia silenciosa que os Beatles sempre tiveram — a coragem de fazer o que queriam, da forma como queriam, sabendo que o mundo os seguiria.
Conforme fui crescendo em minha adolescência, os Beatles tornaram-se uma parte essencial da minha identidade. A jornada emocional e musical deles combinava com a minha, enquanto eu descobria os amores juvenis e o caos mundial causado pela política. Em meio às incertezas da vida (principalmente na transição da adolescência para a vida adulta), suas músicas eram meu ponto de equilíbrio, algo constante em um mundo sempre em mudança. Cada faixa era uma espécie de bússola emocional, me guiando através das turbulências da juventude, enquanto suas letras me faziam questionar e refletir sobre a vida ao meu redor.
É muito estranho ler e saber que Abbey Road está completando 55 anos, porque o álbum ainda soa extremamente contemporâneo e jovem para mim. Isso pode significar que os novos produtos culturais soam como artificiais ou sem tanto “impacto”? Talvez, mas prefiro pensar que Abbey Road transcende o tempo de uma maneira única. A música ali contida tem uma vitalidade que ressoa independentemente da época. O álbum não envelheceu porque suas canções falam de experiências humanas universais — amor, perda, redenção — com uma maturidade que ainda parece nova a cada geração que o descobre. Talvez essa seja a verdadeira genialidade dos Beatles: a capacidade de se reinventar através dos tempos, permanecendo eternamente relevantes enquanto o mundo à sua volta continua mudando.
Ao ouvir “Come Together,” lembro-me de achar que ali estava o verdadeiro rock and roll. Era o ritmo? A melodia? As letras? Com os Beatles, a resposta parecia ser uma mistura perfeita de todos esses elementos. John Lennon, com sua voz rouca e hipnotizante, me transporta para uma atmosfera que é ao mesmo tempo sombria e eletrizante. Cada vez que ouço essa faixa, me pergunto como algo tão simples pode ser tão poderoso. O baixo pulsante de Paul McCartney, os riffs sutis de George Harrison e a batida firme de Ringo Starr criam uma química inigualável.
O medley do lado B sempre teve um impacto especial em mim. Essa sequência, que vai de “You Never Give Me Your Money” até “The End”, representa, para mim, o encerramento de uma era, e por isso é tão especial. Não era o “fim” só para os Beatles, mas também para a música e cultura popular como um todo. Ali, no final de Abbey Road, sinto que os Beatles estão nos dizendo adeus — não apenas como banda, mas como fenômeno cultural. Esse adeus é repleto de ambiguidade e emoção. É uma despedida épica, onde eles demonstram uma coesão única, mesmo sabendo que aquele seria um dos últimos momentos em que estariam juntos; mesmo sabendo que as considerações por cada um não estavam nas melhores como foi no período da Beatlemania.
Sempre achei fascinante como eles conseguiram reunir tanta emoção e maestria em um conjunto de canções que, separadamente, talvez não fossem tão poderosas como são no disco. É como se o álbum dissesse, em sua última nota, que “tudo está bem, mesmo quando sabemos que não está”. A leveza e esperança de “Golden Slumbers” e “Carry That Weight” contrasta com a tensão subjacente do momento da banda, mas é essa dualidade que torna o álbum tão impactante.
Gosto de resumir a importância de Abbey Road, disco aniversariante do dia (26/09), falando da capa do álbum, simples e icônica, sem nome ou título, como um testemunho da confiança que os Beatles tinham em seu trabalho e no impacto que tinham na cultura pop. A imagem deles atravessando a rua, sem se preocupar em “explicar” quem eram, é um ato de audácia. Eles sabiam que o mundo os reconheceria de qualquer maneira. Para mim, a simplicidade dessa capa é o reflexo do poder da música dos Beatles: eles não precisavam de grandes artifícios para conquistar o mundo, apenas de seu talento e criatividade.
Em resumo, Abbey Road é mais do que um simples álbum para mim. É uma obra-prima que, a cada nova audição, revela algo diferente, algo que eu ainda não tinha percebido. É uma viagem emocional e musical que me conecta não só com os Beatles, mas com todas as pessoas que já cruzaram a Abbey Road, tanto literal quanto metaforicamente. Talvez seja por isso que, mesmo depois de 55 anos, o álbum ainda me faz sentir algo novo — como se, por alguns momentos, eu estivesse atravessando a rua com eles. Ouvir Abbey Road não é apenas uma experiência musical; é um convite para ser parte de algo maior, uma jornada que nos faz olhar para o passado com novos olhos, e nos dá a certeza de que o legado dos Beatles continuará vivo, independentemente do tempo.